terça-feira, 17 de maio de 2016

Quem vê cara não vê nutriente.


"Me vê uma manga bonita, por favor?", pede um rapaz ao feirante Luiz Souza Silva, de 47 anos. Ao receber o produto já dentro da sacola, o moço paga e vai embora. E Silva se apressa para explicar: "Fruta bonita precisa ser lustrosa por fora, ter brilho, e sabor por dentro. As nossas são todas assim, o cliente nem precisa escolher muito". Mais que papo de vendedor, ele sabe bem que uma das poucas coisas que não mudaram nos 25 anos em que mantém sua barraca na feira livre do Pacaembu, em São Paulo, é a preferência por alimentos de encher os olhos. O que pouca gente imagina é que, nesse campo, as aparências podem, sim, enganar. Nem sempre o vegetal mais bonito é o de melhor qualidade. "Basta ver os orgânicos, que costumam ser menores e mais feios, mas ao mesmo tempo são mais saudáveis porque não levam agrotóxicos", nota a nutricionista Elke Stedefeldt, da UFSP.
Dar atenção à batata mirrada, à mandioquinha com apêndice ou à ameixa cheia de pintas é um ato de consumo consciente. Seu corpo sai ganhando com os nutrientes.
Além de não se guiar apenas pelo visual do alimento, uma medida valiosa para conciliar as vantagens nutricionais e um consumo sustentável é priorizar a compra dos itens de acordo com as safras. "Os vegetais vendidos fora de época costumam ter seu crescimento estimulado pelo uso de agrotóxicos. Além de serem mais caros, não são as opções mais saudáveis", afirma a médica Marcela Voris. Por isso, se o tempo é bom para caqui, por que encher a fruteira de jabuticaba? Além disso, quanto mais madura a fruta, melhores o aroma, o sabor e a carga de nutrientes.
Por falar em fruteira cheia, aqui também cabe um aviso. Um levantamento feito pelo Instituto Akatu ainda em 2011 mostrou que, nas casas, a maior parte dos alimentos é perdida antes mesmo de eles serem preparados, devido ao armazenamento irregular ou à demora para comer. Para não transformar sua residência em uma usina de desperdício, compre apenas o necessário para o consumo em curto prazo. É preferível comprar em menor quantidade e mais vezes na semana.  Se você é do tipo que não abre mão de um reabastecimento mais duradouro, a dica é adquirir frutos e legumes com diferentes graus de maturação.

Quem ama o feio...

Obviamente, ninguém deve sair pelos mercados catando restos ou produtos com sinais de estrago. É importante, sim, distinguir um alimento fora do padrão estético de outro inapropriado para consumo. Uma boa olhadela costuma ser suficiente para detectar indícios de deterioração, como cores estranhas, buracos e áreas murchas. "Se a casca está íntegra e não há vestígios de material estranho, como sujeira, insetos ou larvas, dá pra levar sem problemas", diz a nutricionista Norka Beatriz González, da UEP.
A presença de manchas e pintas em frutas e verduras também não é motivo para esnobar o alimento — ou, em casa, retalhá-lo com a faca. Segundo o engenheiro agrônomo Flávio Trevisan, professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de SP, a maioria dessas marcas é obra da natureza. "O contato das folhas da bananeira com o cacho propicia pequenas pintinhas na fruta, mas isso não muda em nada suas características nutricionais", exemplifica. O alerta só deve soar quando o tom manchado vem acompanhado de consistência pastosa ou bolor. Isso sinaliza que o alimento está contaminado por micro-organismos.
No momento da compra, também vale refletir sobre o uso que você vai dar ao alimento. Ninguém quer usar morangos miúdos e disformes para enfeitar uma torta, mas eles vão muito bem batidos em uma vitamina. Do mesmo jeito, os vegetais mais tortinhos podem ser utilizados em farofas, sopas e purês. A alface não enche os olhos? Experimente picá-la em pedacinhos. Já as frutas podem ser usadas em sucos, geleias e compotas. O que não pode faltar é criatividade.
O último passo para quem quer aderir de vez ao consumo sustentável é tentar aproveitar o máximo dos alimentos. Isso significa comer, quando possível, polpa, casca e semente. Descascar maçã, batata e cenoura é algo comum, mas não deveria. Como é na casca que fica a maior parte das propriedades, jogar isso fora é um desperdício nutricional.

Ao botar na cabeça que é preciso vencer o desperdício em todos os sentidos, ficará mais fácil inclusive alcançar a recomendação na ingestão de vegetais. Ora, consumo consciente significa se preocupar com a natureza e o mundo ao redor, mas também com o seu organismo.



Revista Saúde

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